sábado, 3 de janeiro de 2009

Fragmentos 02 – Triângulo das Águas


Naquele tempo a escada ainda não era amarela. Ela me ajudava. Quando as contrações se tornavam insuportáveis, eu descia pela escada que ainda não era amarela para repetir o disco. Isso me acalmava, molhar plantas, abrir livros ao acaso. Foi numa dessas vezes que encontrei os versos falando da maldição. Só então entendi que aquele era o momento exato do abandono dos Deuses. Quando Medéia perde os poderes por amor a Jasão, Exu se ausenta. Mas tudo isso é necessário? Tudo isso o quê? As explicações, as memórias, os mitos. Não sei, não sei, não consigo de outro jeito. Continuo esperando certa nitidez vinda de fora. Por enquanto, nesta outra cidade, ouço e vejo apenas o vento misturando terras, pólens, papéis, sementes, miasmas, folhas e histórias. Sopra mais forte na minha esquina sobre o abismo. Curva das Tormentas, eu a chamei. A enfermeira disse que por isso estão todos hoje mais agitados. Recuso a injeção para esquecer. Quero voar com o vento para o centro da Curva das Tormentas. Me ajuda, pai, meu pai— meu pai Ogum, senhor das estradas.

Caio Fernando Abreu
Paulo Braccini
enfim, é o que tem pra hoje...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

então! obrigado pela visita e apareça mais, sempre teremos emoções para partilhar.

LinkWithin

Blog Widget by LinkWithin