sábado, 8 de março de 2008

Experiência! Quem tem?




Já fiz cosquinha na sola do pé da minha irmã só pra ela parar de chorar, já me machuquei feio, aprendendo a andar de bicicleta, escutei conversas dos moleques, descobri coisas, e achava que eu era bobo.

E era. Mas bem menos do que sou agora.

Fui passar minha camisa e queimei o dedo, já escrevi poesia em guardanapo e quase morri afogado no mar, por mais de uma vez.

Eu já fiz bola de chiclete e melequei todo o rosto, e depois, pra tirar aquilo pregado das mãos e dos dedos, foi fogo.

Já falei com Deus, com o espelho, já conversei e converso sozinho, e até já brinquei de ser bruxo, padre, homem, mulher, brinquei de ser quase tudo.

Já quis ser astronauta, médico, violonista, bailarino, mágico, caçador, palhaço e trapezista. Sempre tive uma vocação artística, meio inexplicável.

Já fiquei atrás da cortina e esqueci os pés pra fora, como o gato que se e deixa o rabo à mostra. Tentei fumar maconha, passei mal à beça e só queria que o efeito passasse. Nunca mais faço isso. Experimentei todas as formas de fazer sexo e não me encaixei em nenhuma.

Hoje prefiro a sublimação: fazer pesquisas, pescar, ir pra roça, escrever livros, pintar quadros, ler e fazer poesia, cuidar de cachorro, falar palavrões.

Já passei trote por telefone. Já menti, muito só pra dar risada depois.

Já tomei banho de chuva e acabei me viciando. Já roubei beijo, bolacha em supermercado, já cometi pequenos furtos, sim.

Fiz xixi na cama várias vezes e cocô nas calças, algumas.

Já confundi sentimentos e mandei a pessoa certa ir embora, para sempre...

Fiquei com depressão, tomei remédio controlado, fiz terapia e abandonei sem receber alta. Peguei atalho errado, carona no rabo do trem-de-ferro e continuo andando pelo desconhecido, pelo mundo.

Já raspei o fundo da panela de galinhada e enfiei o dedo no arroz doce escondido, na cozinha, já me cortei fazendo a barba apressado, já chorei ouvindo música no ônibus e por ver criança pobre pedindo esmola para comer.

Já tentei esquecer algumas - muitas - pessoas, mas descobri que essas são as mais difíceis de se esquecer.

Já subi escondido no telhado pra tentar pegar estrelas, e em árvores, pra roubar fruta, já caí da escada de bunda, já vi a calcinha da minha professora e fiquei excitado. Mas na época eu não sabia o que era isso e daí, não rolou nada.

Já fiz juras eternas, já escrevi no muro da escola, já chorei sentado no chão do banheiro, já fugi de casa pra sempre, e voltei no outro instante.

Arrebentei o pé de chuchu do meu avô e ele ficou cuspindo faísca.

Já corri pra não deixar alguém chorando, já fiquei sozinho no meio de mil pessoas sentindo falta de uma só.

Já vi pôr-do-sol cor-de-rosa-e-alaranjado, já me joguei na piscina sem vontade de voltar, já bebi uísque até sentir dormentes os meus lábios, já olhei a cidade de cima e mesmo assim não encontrei meu lugar. Já senti medo do escuro, já tremi de nervoso, já quase morri de amor, mas renasci novamente pra ver o sorriso de alguém especial.

Já acordei no meio da noite e fiquei com medo de levantar, depois, de manhã, fiquei com preguiça.

Já apostei em correr descalço na rua, já gritei de felicidade, já apanhei rosas num enorme jardim na casa de uma vizinha que era uma fera.

Colei muito e dei cola pros amigos. Sempre fui bom nas humanas e péssimo nas exatas. Passei em concursos, vestibulares e nunca assumi.

Mas aprendi a ser feliz com a vida que tenho. E isto é muito bom.

Já me apaixonei e achei que era para sempre, mas sempre era um "para sempre"pela metade. Já deitei na grama de madrugada e vi a lua virar sol, fui andando até me cansar atrás do arco-íris, já chorei por ver amigos partindo - sou um verdadeiro chorão - mas descobri que logo chegam novos, e a vida é mesmo um ir e vir sem limites.

Foram tantas coisas feitas, momentos fotografados pelas lentes mais íntimas e guardados num baú chamado coração.

E agora, que os cabelos ficaram brancos e não tenho mais o mesmo vigor de quando fiz todas estas coisas e muitas outras de que nem me lembro, interrogam-me, encostam-me na parede e gritam:

"Qual sua experiência?"

Essa pergunta ecoa no meu cérebro: experiência?... experiência?...

Será que ser "plantador de sorrisos" é uma boa experiência?

Não! Talvez eles não saibam ainda colher sonhos!

Agora gostaria de indagar uma pequena coisa para os que formulam esta pergunta:

Experiência? Quem a tem, se a todo momento tudo se renova?

E se aquele que passou por todas elas já não é mais a mesma pessoa, justamente por causa das experiências que o transforma a cada momento, a cada dia?

Realmente, estamos diante de um paradoxo. Experiência, não é nada e o melhor mesmo, seria tirar esta palavra do dicionário.

Ou trocá-la por uma outra que tenha um significado bem mais infinito, intersubjetivo, maleável. Enfim, algo que não existe.

Sejamos inteligentes e acompanhemos os ritmos da natureza.

Vamos deixar a experiência de lado.


Antonio da Costa Neto






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