quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Pingado

pingado
Eu tomo café frio. Acho que deixo o café esfriar de propósito. Pelo esforço de tomá-lo. Há uma cota de sacrifício em cada gesto irrelevante.
Pego o café antes da cafeteira terminar de cuspir água. Queimo as mãos nas bordas, o caule da porcelana está boiando na fumaça. Momento perfeito para empunhar a xícara e degustar o charme do gole soprado. Ao invés disso, vou fazer novas tarefas. E o primeiro sorvo vem morno. Sou ansioso para me adiar.
Não adotei o pingado, lamento minha deserção. É delirante o dom de misturar certinho o volume, definir o que vai por cima. Uma autoridade maior do que enumerar as colherinhas do açúcar.
O amor não é expresso, é café-com-leite. Meio a meio, pouco a meio. Alguns preferem o leite; outros, o café. Por isso, combinam os dois.
Não sei se me faço entender: eu gostaria mais do café se viesse acompanhado do leite que não gosto.
Ninguém ama por inteiro. Eu amo e sou amado por fragmentos. No início da paixão, mostramos a região predileta: os dons e os dotes. Nossa parte benigna. Fácil decorar e pôr em prática.
É mais simples falar eu te amo quando não se ama. Quando vou falar eu te amo amando, o som não é natural. A boca pesa, a mão lateja, acredita-se em toda vogal. Nossa vida vai junto com os lábios de inverno.
Entendo agora: uma verdade que não se cansa é mentira. Portanto, amo de verdade e amo de mentira, para não deixar nada sem amar.
Não amo por inteiro. Amo por fases. Por dias. Por horas. Há incomodações, ódios e resmungos nos intervalos. Nivelar o amor é aniquilá-lo. É não admitir que o outro não é o que espero, nem o que ele espera. E passar a desconfiar que não amo por aquilo que não preciso mesmo amar.
Procuro no amor a cegueira da paixão e os olhos já estão abertos nos dedos. Amar é suportar também não amar quem mais se ama. Lidar com o que nos irrita e não explodir. Dar a trégua para a paciência virar confiança. Não se sentir perseguido na hora da crítica. Não cortar a fala pelo passado. Não ameaçar com o fim, não interromper com chantagens, não sobrepor dissidências com suspeitas. Permitir que o rio mergulhe seus pés em nosso corpo.
O que julgava ser uma virtude - minha disposição em ajudar - pode ser compreendida como arrogância. Como se fosse cobrar um favor mais adiante. Ajuda só é ajuda no instante em que ela é esquecida. Tenho que ser suficientemente discreto para não voltar ao assunto. Nunca mais.
Meus avós maternos tomavam café-com-leite. Tão diferentes ao dormir, tão iguais ao acordar. O avô ainda separava abacates de seu quintal para a vitamina da tarde. Explicava, orgulhoso com o sotaque de cozinha: "o abacate é uma das raras frutas que amadurecem fora do pé".
Depende de uma semana longe da árvore. Como o amor. Inclusive quando não se ma.
Fabrício Carpinejar

Paulo Braccini
enfiim, é o que tem pra hoje…

6 comentários:

  1. eu tb tomo café frio... quente queima a lingua!
    Mas, fora essa metáfora, que texto tão belo...

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  2. perfeito Mauri ... amor é isto ... fruta amadurecida pelo tempo ... equilibrado e dosado ... nem quente nem frio ... enfim, o amor é ...

    bjux

    ;-)

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  3. Faço minhas as palavras do Mauro,rsrs

    Abraços Paulo.

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  4. obrigado Glauko e eu ratifico minha resposta dada ao Mauri ...

    bjux querido

    ;-)

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  5. Eu tomo pigado todos os dias, mas em casa, e em casa se chama café com leite, rs

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  6. Messias, nada como um café com leite ... em casa, na padaria ... onde quer que seja ... adoooro ... mas enfim ... gostar mesmo eu gosto é do café ...

    bjux

    ;-)

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então! obrigado pela visita e apareça mais, sempre teremos emoções para partilhar.

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